Já foi tarde, Richard Holbrooke

Eu comemorei muito hoje a morte de Richard Holbrooke, um dos responsáveis pelo bombardeio a Belgrado em 1999. O obituário abaixo é de minha autoria e foi publicado no Opera Mundi. Agora estou ansioso para escrever também o da Madeleine Albright, o do Joe Biden, o Wesley Clark, o general Michael Jackson, o Bill Clinton

Holbrooke, o homem das guerras da Casa Branca

Richard Holbrooke

Richard Holbrooke

 

O diplomata norte-americano Richard Holbrooke, morto na noite desta segunda-feira (13/12) em Washington por complicações pós-cirúrgicas, foi conhecido por obter sucesso em “causas impossíveis” para a diplomacia dos Estados Unidos, entrando em campo quando a Casa Branca se via metida em um atoleiro sem saída evidente.

Ao longo das últimas duas décadas, Holbrooke esteve envolvido em praticamente todos os conflitos em que os EUA entraram – ou causaram – no mundo, como Vietnã, Bósnia, Kosovo, Afeganistão e Paquistão. Não chegou a pisar no Iraque, mas defendeu a opção diplomática em vez da militar para derrotar Saddam Hussein.

Richard Charles Albert Holbrooke nasceu em Nova York em 24 de abril de 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, um mês depois do ataque japonês a Pearl Harbor e uma semana após a rendição da Iugoslávia para os nazistas. Coincidentemente, os dois fatos teriam repercussão como déjà-vu em sua carreira diplomática, décadas mais tarde. Em 1999, Holbrooke seria responsável por levar o ultimato à Iugoslávia, então sob governo de Slobodan Milošević, antes que o país fosse bombardeado pelas forças da OTAN, lideradas pelos Estados Unidos – repetindo assim a infâmia dos japoneses e a agressão dos nazistas.

A família de Holbrooke era de origem judaica, mas não praticava a religião, e trocara a Europa pelos EUA nos anos 1930 para escapar do nazifascismo. O pai, judeu polonês, mudou de nome ao chegar a Nova York e escondeu a identidade original até da própria família. A mãe, judia alemã, fugiu de Hamburgo em 1933, logo após a ascensão de Hitler ao poder.

Vietnã e Timor

Holbrooke estudou na Universidade Brown, em Rhode Island, uma das mais elitistas do país, e entrou para o serviço diplomático logo após se formar.

Sua primeira missão diplomática foi em 1962, no Vietnã, onde ficou responsável por coordenar o apoio em dinheiro aos anticomunistas e trabalhou como assistente dos embaixadores norte-americanos em Saigon (hoje Cidade de Ho Chi Minh). Aos 24 anos, foi chamado pelo presidente democrata Lyndon Johnson (sucessor de John Kennedy) como membro de um órgão consultivo sobre o Vietnã. Participou da comitiva norte-americana nas conversações de paz em Paris, em 1968, e depois deu aulas na Escola de Relações Internacionais Woodrow Wilson, em Princeton.

Em 1970, pediu para ser enviado ao Marrocos, onde houve duas tentativas de golpe enquanto esteve lá. De 1972 a 1976, foi editor da revista Foreign Policy, publicação de referência em relações internacionais nos EUA. Saiu de lá a convite do também democrata Jimmy Carter, para ser coordenador de segurança nacional de sua candidatura. Carter foi eleito e nomeou Holbrooke como subsecretário para Ásia e Pacífico – a pessoa mais jovem a assumir o cargo até então.

Nesse posto, coordenou a política de reaproximação com a China comunista e com a Indonésia, um país não alinhado. Nesse país, viveu sua primeira grande polêmica, ao elogiar a política de direitos humanos do ditador Suharto ao mesmo tempo em que o país conduzia massacres na ex-colônia portuguesa de Timor-Leste.

Mercado e Alemanha

Passou a década de 1980 (governos Reagan e Bush pai) fora de cena, trabalhando no mercado financeiro de Wall Street como consultor do banco Lehman Brothers (o primeiro a falir, em 2008, dando início à crise atual). Chegou a ser diretor da entidade, além de vice-presidente do Crédit Suisse.

Mas Holbrooke não desligou os laços que tinha com os democratas: foi assessor de pré-campanha do senador Al Gore para as primárias em 1988 (quando acabou derrotado para Michael Dukakis, que por sua vez perdeu a eleição para George Bush, pai). Em 1992, visitou a Bósnia-Herzegovina, no início da guerra civil iugoslava, de forma independente. Desde então, passou a defender que a Casa Branca adotasse políticas agressivas nos Bálcãs.

Em 1993, foi nomeado por Bill Clinton como embaixador dos EUA na Alemanha, terra natal de sua mãe e país que, sob Helmut Kohl, liderava o reconhecimento aos separatistas da Iugoslávia. Holbrooke colaborou com essa política, que estimulou o conflito.

No ano seguinte, Clinton o nomeou subsecretário para Europa e, nesse cargo, acumulou a função de representante para os Bálcãs. Nesse posto, foi o principal elaborador dos acordos de paz de Dayton, que levaram ao fim do conflito e retalharam o território da Bósnia. Também “falhou” na captura de Radovan Karadžić, o presidente dos sérvios na Bósnia, considerado criminoso de guerra pelo Ocidente. Doze anos mais tarde, ao ser preso, Karadžić revelou que Holbrooke fizera um acordo para possibilitar sua fuga.

Kosovo e Obama

Já em 1997, Clintou fez dele seu representante “informal” para o Chipre, ilha dividida por turcos e gregos no leste do Mediterrâneo. No entanto, Holbrooke trabalhou mesmo junto à insurreição dos albaneses do Kosovo, província da Iugoslávia, que iniciaram uma guerrilha separatista em 1998. No ano seguinte, Washington incumbiu-o de levar o ultimato a Milosevic, a quem teria feito a proposta de manter o Kosovo sob soberania iugoslava em troca da instalação de uma base militar. A proposta foi negada, Belgrado foi novamente bombardeada (após 58 anos), a OTAN invadiu o Kosovo e a base de Camp Bondsteel foi instalada dois meses depois. Dias depois, Holbrooke ganhou o cargo de embaixador dos EUA na ONU.

Membro militante do Partido Democrata, assim como seus colegas Madeleine Albright e Zbigniew Brzezinski, Holbrooke trabalhou nas equipes dos dois mandatos de Bill Clinton (1993-2001) e como assessor de política externa nas candidaturas derrotadas de Al Gore (2000) e John Kerry (2004). Voltou ao mercado financeiro enquanto George W. Bush esteve no poder, como diretor do grupo AIG, que também entrou em insolvência.

Em 2008, ficou fora da campanha de Barack Obama, mas foi nomeado como representante dos EUA para o Afeganistão e o Paquistão assim que novo presidente assumiu. Foi incumbido com a missão de facilitar a “transição” afegã, organizar politicamente o combate ao Talibã nos dois lados da fronteira e preparar a retirada militar, mas morreu sem ter conseguido.

Holbrooke, apesar da proximidade com os democratas e a participação decisiva na defesa dos interesses norte-americanos, nunca chegou a comandar diretamente a diplomacia dos Estados Unidos: quando Clinton precisou nomear um novo secretário de Estado, em 1997, pôde escolher entre Holbrooke e Albright, e acabou fazendo dela a primeira mulher no cargo.

Em vez da tranquilidade dos gabinetes, Holbrooke continuou sendo enviado para as zonas de guerra, levando as propostas – decorosas ou não – de Washington para os adversários em combate.