Finalmente: defesa de dissertação

Convido todos e todas que se interessarem para a defesa da minha dissertação de mestrado “Sistemas Internacionais de Informação Sul-Sul: do pool não-alinhado à comunicação em redes”, orientada pela Profa. Suzy dos Santos, nesta quinta-feira, dia 25 de março, às 13h, em sala da ECO/UFRJ ainda a definir. Vai, abaixo, o resumo do trabalho.

A ECO fica no Campus da Praia Vermelha da UFRJ, na Avenida Pasteur, 250 (entrada pela Avenida Venceslau Brás, próximo ao Instituto Philippe Pinel).

Pronto, fiz o meu comercial. :o)

RESUMO

Entre as décadas de 1970 e 1980, uma iniciativa inédita uniu países em desenvolvimento no campo da comunicação: o Pool de Agências de Notícias dos Países Não-Alinhados (NANAP, na sigla em inglês), uma cooperativa de agências nacionais de países do então chamado Terceiro Mundo integradas em um sistema internacional para trocar informações jornalísticas primordialmente entre o que hoje se conhece como eixo Sul-Sul. A experiência foi liderada pela agência oficial da Iugoslávia, a Tanjug, e era promovida pelo Movimento dos Países Não-Alinhados (NAM) no contexto da luta por um reordenamento das estruturas de comunicação internacional, conhecida como NOMIC (Nova Ordem Mundial da Informação e Comunicação). Durante pelo menos os primeiros cinco anos, o pool constituiu uma resposta pragmática aos anseios terceiro-mundistas pela mudança na cobertura internacional e pela abertura de fluxos Sul-Sul de informação qualitativa e quantitativamente mais equilibrada. Mais que isso, a própria organização e operacionalidade do NANAP se caracterizavam pela descentralização, maleabilidade e livre-associação, aspectos fundamentados nos princípios do socialismo autogestionário iugoslavo e que se mostrariam especialmente adequados às condições de produção nas sociedades periféricas do capitalismo. Este trabalho investiga as marcas deixadas pela experiência não-alinhada nas atuais iniciativas contra-hegemônicas articuladas em rede e na cooperação Sul-Sul em matéria de comunicação internacional para a constituição de sistemas de informação independentes da hegemonia das agências do Primeiro Mundo.

Pronto, a viagem já valeu

Terceiro dia na Tanjug. Finalmente encontrei documentos do NANAP!! Descobri que houve uma conferência aqui em Belgrado em setembro de 2000, no apagar das luzes do governo Milošević. Há discursos proferidos pelos delegados. Só não há as conclusões tomadas. Talvez tenha saído algo no Politika da época. Isso dá pra checar nos arquivos do jornal, tendo as datas.

We’ve only just began

Segundo dia de pesquisas na Tanjug.

Um certo desapontamento. Os arquivos, a documentação, a papelada em que eu esperava me afogar, na verdade são umas dez pastas e fichários que cabem num armário de duas portas, encostado no cantinho de uma sala. Ali está a história daquela que já foi uma das maiores agências de notícias do mundo. O resto foi pro lixo. Ou está na memória das pessoas que ajudaram a construí-las. É com elas que mais conto agora.

Mesmo assim, encontrei algumas preciosidades. Dados do fluxo de despachos e telex da Tanjug para as (e das) capitais do mundo onde mantinham correspondentes; um mapa dos links de cabos telegráficos que tinham; originais de acordos de cooperação com outras agências. Tudo rústico, datilografado, em papel de pauta. Exatamente como eu esperava. Sem luxo. Comunista. Autogestionário.

Ainda não consegui chegar a nada específico sobre o pool não-alinhado, mas a esperança acadêmica é a penúltima que morre. Só perde pra paciência.

“Quando éramos reis”

Estive na Tanjug pela primeira vez.

A Tanjug foi uma das maiores agências de notícias do mundo nos anos 70 e 80. Era, segundo rankings variáveis, a oitava – atrás das “Quatro Grandes” Reuters, AFP, UPI e AP, e também TASS, Xinhua e DPA. Mas, mais importante que isso, era a agência que dava as notícias que nenhuma outra dava: o Terceiro Mundo.

Como a Iugoslávia era um dos líderes do Movimento dos Não-Alinhados, a Tanjug foi a principal criadora e promotora do pool de agências de notícias não-alinhadas, o NANAP (que, para quem não lembra, é meu tema de mestrado).

Infelizmente, boa parte do material foi simplesmente jogada fora. Seja por displicência histórica, seja por conveniência política de apagar o passado recente. O pouco que sobrou está arquivado lá, e é atrás disso que estou indo.

Quem me recebeu foi o diretor de cooperação internacional, Igor Radojčić. Ele está na agência desde 2005. Mas, há 30 anos, a pessoa que ocupava o cargo dele era responsável por contactar e coordenar o trabalho conjunto com as agências dos outros países em desenvolvimento do mundo. Igor garante que tudo que ainda resta está no escritório dele. Na sexta-feira vou passar o dia lá, remexendo a papelada para ver o que encontro. Ele também me ajudou a achar contatos de pessoas a entrevistar que, segundo ele, tiveram envolvimento direto com o pool.

De toda forma, fiquei muito bem impressionado. Têm uma ótima estrutura, equipe, recursos financeiros e são organizados, apesar de todo mundo insistir em dizer “Ah, antes é que era melhor! Você devia ver nos anos 70, era nossa era de ouro”.

Sim, isso é verdade. A agência já teve mais de 300 funcionários. Atualmente está passando por um passaralho em prestações, que já demitiu 80 este ano e presente encolhê-la para 150 (incluindo redação, comercial e administrativo) até o fim de 2009. E a decadência pode ser sintetizada em um dado muito sintomático: a agência está acéfala há seis meses. O último diretor-presidente renunciou em junho, quando o governo do Vojislav Koštunica caiu, e ninguém o substituiu. Mas não porque o governo tenha ignorado o problema, e sim porque faltam candidatos! Ninguém quer assumir o cargo. A Tanjug é uma estatal subordinada ao Ministério da Cultura e Informação da Sérvia, que também gerencia outras empresas e autarquias, como os Correios. Para essas, as nomeações políticas foram imediatas. Da agência de notícias, entretanto, ninguém quer saber. Enquanto conversava com Igor, justamente na sala do diretor, olhava para aquela poltrona vazia. Símbolo de uma luta que já foi importante e hoje está esquecida na gaveta.

O que tem a ver Iugoslávia com jornalismo?

Pessoas me perguntam de onde diabos tirei um tema de pesquisa para o mestrado que parece, a princípio, tão mirabolante. Não é. Tem muito a ver com tudo de que venho tratando até agora, na vida acadêmica e profissional. O percurso não é muito difícil de refazer, e as pontas do círculo não estão tão afastadas quanto parecem.

Como diria Goulart de Andrade, “vem comigo!”.

Meu tema-de-vida-inteira sempre foi a relação entre estética e ideologia. De como construções imagéticas e verbais podem provocar a percepção de forma a ativar ou inculcar valores pertinentes a determinada construção ideológica. E de como isso pode estar presente em qualquer objeto produzido pelo homem, seja imagem ou texto, design ou cinema, arquitetura ou literatura. De como os regimes totalitários perceberam isso e criaram doutrinas oficiais para a estética: o jdanovismo, o realismo socialista, a estética nazista.

OK, até aí nada.

Quando comecei a trabalhar, defini o jornalismo internacional como foco profissional: a cobertura sobre fatos ocorridos no exterior, o noticiário estrangeiro, o trabalho de correspontes e redatores de Inter. Um de meus primeiros estágios foi em uma agência de notícias, e lá comecei a perceber como uma coisa linkava com a outra. Como os textos dos correspondentes eram carregados de julgamentos de valor, de marcas discursivas, de traços ideológicos que não se faziam presentes por idéias declaradas, mas sim por uma escolha de palavra (“presidente” ou “ditador”), por uma conjunção adversativa ali (“cubano, mas democrata”), por uma justaposição de fatos acolá (“Putin foi eleito e a guerra da Tchetchênia recomeçou”). A parcialidade no texto também era uma construção ideológica, assim como um cartaz ou um filme de propaganda.

Começou a fazer sentido, né?

Depois, em redação de jornal, vi como essas configurações estético-ideológicas eram reproduzidas, replicadas, e disseminadas como verdade. Pesquisando, encontrei que essas mesmas questões já eram observadas e debatidas há 30, 40 anos, e que as soluções para corrigi-las foram sintetizadas num projeto esquecido pela minha geração de jornalistas: a Nova Ordem Mundial da Informação e Comunicação, ou NOMIC.

Os pensadores que defendiam essa mudança na forma como a comunicação internacional acontecia (e até hoje acontece) sempre atacavam as agências de notícias como fonte do problema, em geral argumentando que os jornais, rádios e TVs “relaxam” no material enviado por elas (antes por telex, hoje pela internet), que é tendencioso, concentrado e limitado aos assuntos do Primeiro Mundo, ignorando ou estigmatizando os países pobres (o chamado fluxo de informação desigual entre os hemisférios Norte e Sul). Bem, parte é verdade: as agências fazem isso, mesmo porque a maior parte de seus clientes está no mundo rico, e quem paga mais ganha mais atenção. Mas as agências, em si, não são o vilão da história. É o sistema de produção e circulação de informações pelo mundo que favorece as agências, que são empresas que fazem isso em economia de escala, padronizada, em linha de montagem, como uma fabriquinha da Ford.

Pesquisando mais ainda, encontrei uma iniciativa criada na época da NOMIC (anos 1970) para juntar agências de notícias de países pobres e criar um sistema internacional de informações alternativo que abastecesse as editorias de Inter com material sobre o Terceiro Mundo. Comunicação de pobre para pobre, de Sul para Sul – o que hoje se chama de eixo Sul-Sul. Essa iniciativa foi proposta pelo Movimento dos Países Não-Alinhados, um bloco que na Guerra Fria ficava “neutro” entre URSS e EUA e reunia o que hoje se chama “países em desenvolvimento”. E quem estava à frente desse bloco? A minha querida Iugoslávia.

Ahá! Fez o link.

A agência de notícias do Tito, a Telegrafska Agencija Nove Jugoslavije (Tanjug) foi quem liderou esse sistema. Ela coordenou a montagem de um pool de cobertura, permanente, no qual as agências de países pobres trocavam informações e cooperavam entre si para cortar custos e agilizar a cobetura. Toda a concepção e a operação do pool (chamado NANAP, da sigla em inglês para Non-Aligned News Agencies Pool) foi baseada no princípio da autogestão, uma premissa básica do socialismo iugoslavo (chamado de “titoísmo”), que era diferente do modelo soviético ou chinês. Segundo esse princípio, toda produção deve ser controlada pelos trabalhadores diretamente associados, não somente por gerentes ou dirigentes. Isso valia para toda e qualquer atividade produtiva, inclusive a comunicação. E, assim, o NANAP nasceu como uma cooperação em que cada agência determinava quanto podia colaborar, quanto extraía dali, como e quando podia participar, sem nenhum ônus ou prejuízo, e nenhum lucro tampouco. Podia entrar e sair à hora que quisesse, assim como assumir voluntariamente o papel que desejasse. Todo o conteúdo era distribuído de forma livre e dependia de seus próprios participantes para ser reproduzido, modificado e ampliado – assimetricamente. Atuava sob a velha máxima do socialismo utópico, “de cada um de acordo com suas possibilidades, e a cada um de acordo com suas possibilidades.”

Ora, eu que sou enciclopedista e usuário wiki de primeira hora, reconheci logo algo de muito familiar nesse manifesto. Essa lógica da produção (de informação) em redes, baseada no trabalho colaborativo, dos trabalho associado e diretamente envolvido, na liberdade de associar-se e desassociar-se quando quiser e na produção coletiva como forma de gerar agilidade e diversidade é exatamente a lógica do que se chama de web 2.0, do colaborativismo, do commons, de social media e outras “novidades” da comunicação. E, no entanto, tudo bebe de uma experiência antiga permeada pelos ideais autogestionários da Iugoslávia.

Claro. Não acho que Larry Sanger e Jimmy Wales tenham lido o programa do partido comunista iugoslavo antes de criarem a Wikipedia, nem que Lawrence Lessig tenha conhecido o NANAP antes de pensar na licença Creative Commons. Mas não há como negar que parte do pulso por fazer da internet um espaço de fluxos alternativos de informação nasceu da frustração causada pela derrocada da NOMIC nos anos 1980. E talvez o fato de o congresso iCommons de 2007 ter acontecido em Dubrovnik, antiga capital da Escola da Práxis – a intelligentsia do socialismo autogestionário na Iugoslávia – não tenha sido por acaso.

E, graças a esse papel importante da Iugoslávia, o lugar escolhido pela ONU em 1980 para realizar sua conferência que aprovou o documento que pedia mudanças na comunicação internacional (o chamado Relatório MacBride) foi exatamente Belgrado.

Pronto. Fechou o círculo?

Então quer dizer que a Iugoslávia inventou o wiki 30 anos antes? Eu não seria tão exagerado. Mas também não dá para ignorar uma experiência tão inovadora numa época em que não havia internet e o máximo de infraestrutura de informação que existia era telex e satélite. Embora tenha deixado poucos resultados práticos (a desigualdade na informação internacional entre Norte e Sul continua ocorrendo), o NANAP foi pioneiro em montar um sistema adequado às realidades e idiossincrasias do Terceiro Mundo. E é aí que ele tem a ver com a gente e com nossa vida de hoje em dia.