Choques no Kosovo levam a retirada de policiais albaneses da “fronteira”

A tentativa de policiais albano-kosovares de tomarem o controle nos postos de fiscalização no limite entre a província rebelde do Kosovo e o território de fato governado pela Sérvia, na madrugada de terça-feira (25/7), gerou uma pequena crise na região e terminou hoje (27/7) com a retirada das “forças especiais” kosovares (apoiadas pela OTAN).

A ofensiva partiu do governo albano-kosovar ao enviar policiais e soldados de suas “forças especiais” (criada em 2009) para ocupar os postos de controle em Brnjak e Jarinje, dois vilarejos no norte da província, junto à linha de demarcação com o território sob soberania sérvia. A tentativa foi frustrada por moradores sérvios, com apoio da EULEX (tropas da União Européia), que impediram a ocupação. Na tarde de terça-feira, os dois lados entraram choque, com policiais e moradores saindo feridos. Tropas da OTAN foram mobilizadas para o local para impedir novos enfrentamentos.

Buehler, comandante da OTAN, com o negociador sérvio

Buehler, comandante da OTAN, com o negociador sérvio

Há poucos dias, o governo albano-kosovar, em Priština, baixou uma lei para restringir a entrada de produtos de origem sérvia no Kosovo. Mas a lei (assim como a própria “independência”) não é aceita pelos sérvios kosovares nem pela União Européia.

O norte do Kosovo tem população de maioria sérvia e é separado do sul, de maioria albanesa, pelo curso do rio Ibar. O ponto principal dessa divisão é a cidade de Kosovska Mitrovica (pron. “mitrovitsa”), cortada ao meio pelo rio e repartida entre o norte sérvio e o sul albanês. A travessia entre um lado e outro da cidade é livre.

O governo em Belgrado enviou uma missão de negociadores que conseguiu convencer o comando da OTAN, sob o alemão Erhard Buehler, a fazer os policiais kosovares a se retirarem. No entanto, duas horas depois da retirada, tentaram novamente apoderar-se de um dos postos de fronteira. O presidente da Sérvia, Boris Tadić, já avisou que nem cogita usar a força.

“Apelo a todos que mantenham a calma e não respondam a provocações”, disse Tadić, segundo a imprensa local. “Temos de continuar o diálogo e restaurar a paz. Garantir a paz é o mais difícil. é muito mais fácil afogar-se de novo em guerra e violência”.

A Sérvia pediu uma reunião de emergência no Conselho de Segurança da ONU para tratar do caso.

Eu passei por um desses postos de controle em fevereiro de 2009, quando voltava do Kosovo, onde realizei uma reportagem para a revista Carta Capital. Na ocasião, não tive problemas. Só os guardas que demoraram com o meu passaporte mais que com todos os outros, porque foram checar se o Brasil reconhecia ou não a ilegítima “República do Kosovo”.

Preso o último criminoso de guerra sérvio

Foi preso na madrugada desta quarta-feira (20/7), na Sérvia, o criminoso de guerra Goran Hadžić, o último dos grandes nomes da lista de sérvios indiciados pelo Tribunal Penal para a ex-Iugoslávia, em Haia. Ele estava foragido há 16 anos e foi encontrado na aldeia de Krušedol, na Voivodina, a 60km ao norte de Belgrado.

Hadžić (pronuncia-se “ráditsch”, como se fosse a palavra ‘rádio’, só que com T chiado no final) era líder do movimento autonomista na Krajina (“cráina”; em servo-croata, “marca”, “região de fronteira”), uma parte da Croácia onde havia maioria étnica sérvia. Segundo o promotor sérvio para crimes de guerra, Vladimir Vukčević, o criminoso estava armado no momento da prisão, mas não tentou resistir.

“Hadžić assumiu uma identidade falsa, tendo documentos pessoais sob um outro nome”, disse ele, em entrevista coletiva citada pela rede sérvia B92.

Junto com ele, foi detido um homem não-identificado, suspeito de ajudar a escondê-lo. O promotor acredita que Hadžić, que era um simples comerciante até o começo da guerra, estava sob proteção de pessoas ligadas à hierarquia da Igreja Ortodoxa Sérvia.

A primeira pista de seu paradeiro surgiu quando ele teria tentado vender um quadro de Modigliani (1884-1920) para conseguir dinheiro e custear sua clandestinidade.

Goran Hadžić preso

Goran Hadžić preso

É sempre bom lembrar que, assim como Radovan Karadžić (líder civil, preso em 2008) e Ratko Mladić (comandante militar, preso em maio deste ano), os dois NÃO ERAM cidadãos da Sérvia. Eles eram cidadãos da antiga Iugoslávia e os crimes deles foram cometidos na Bósnia e na Croácia. O Estado sérvio (que era parte da Iugoslávia até 2003, assim como a Bósnia e a Croácia até 1991), oficialmente, não tinha nenhuma responsabilidade sobre os atos cometidos por eles. Mas todos foram encontrados em território sérvio.

A prisão desses três criminosos de guerra era uma exigência da União Européia para iniciar os procedimentos de adesão da Sérvia ao bloco – o que, no entanto, depende ainda de diversos fatores econômicos, legais e sociais aos quais o país deve atender, como todos os demais membros, e ainda está longe de conseguir.

A Frente Popular na Iugoslávia

O titoísmo nasceu na guerra. A forma iugoslava de organizar os trabalhadores para construir um país socialista que não fosse uma ditadura de partido, um labirinto de burocratas, mas uma verdadeira comunidade gerida a partir das bases, tudo isso nasceu na luta, literalmente, contra os nazistas e fascistas que tinham invadido a Iugoslávia. Nasceu na lama das margens de rios, nas cavernas das montanhas dináricas, nas florestas nevadas, onde os partizans combatiam não só os estrangeiros, mas também os iugoslavos que tinham traído seus compatriotas e ajudavam o invasor. A grande surpresa do regime e da ideologia de Tito foi, justamente por terem nascido do sangue, serem garantias da paz. Tanto foi que o fim do titoísmo levou imediatamente a novas guerras – as sangrentas guerras fratricidas da Iugoslávia nos anos 1990: Bósnia, Croácia e Kosovo.

O texto abaixo, do qual selecionei alguns trechos, comprova isso.

Excertos do discurso do Marechal Josip Broz Tito pronunciado no segundo congresso da Frente Popular da Iugoslávia, em 27 de setembro de 1947. A íntegra pode ser conferida neste link.

A nossa Frente Popular representa um poderoso fator de paz. A Frente Popular é a organização em que estão reunidos todos os nossos povos. É, portanto, uma grande organização pelo seu número, e uma poderosa organização pela sua unidade e pelo seu espírito.

A situação internacional se apresenta de tal forma que se faz necessário não só que dentro de cada país se reúnam todas as forças progressistas que desejam a paz e o progresso da humanidade, mas que, além disso, se unam cada vez mais, na luta pela paz, todos os elementos progressistas do mundo, que se unam na luta contra os que ainda recentemente causaram pavorosa catástrofe no mundo e que novamente, e cada vez mais alto, voltam a erguer suas vozes. Creio que chegará o tempo em que os representantes de todas as forças democráticas do mundo poderão reunir-se e falar sobre as formas que deve assumir a colaboração internacional, sobre como se deve trabalhar e lutar para impedir a catástrofe de uma nova guerra.

O imperialismo agressivo e insaciável, lutando para conservar suas posições e para usurpar posições novas, emparelha-se com a ideologia fascista terrorista, retrógrada, agressiva, com cujo auxílio deseja impedir a propagação de concepções humanas e progressistas acercada sociedade moderna, impedir a propagação do marxismo-leninismo, impedir a criação de Estados genuinamente democráticos, já que não pode destruir o grande Estado socialista, a União Soviética.

A Frente Popular era necessária antes da guerra para lutar contra o perigo em ascensão — o fascismo. Era necessária para a luta contra a reação em cada país separadamente. Portanto, antes da guerra, a Frente. Popular era necessária para a vitória das forças democráticas sobre a reação, para o fortalecimento da democracia contra a reação, para a luta contra a crescente ameaça de guerra, porque fascismo queria dizer — guerra.

As frentes populares estão, portanto, se unindo em uma frente mundial pela paz. Esta unificação significa um esforço conjunto e organizado para a consolidação da paz e da cooperação internacional.

Por outro lado, pode acontecer que nos diferentes países as frentes populares possuam graus diferentes de desenvolvimento político e organizativo. Contudo, elas só serão inteiramente úteis para o desenvolvimento interno de cada país se gradualmente se transformarem em uma organização única de toda a nação, com o objetivo de resolver efetivamente todos os problemas do país: políticos, econômicos, sociais, culturais, etc. Em outras palavras: devem desenvolver-se até atingir um grau que possibilite um programa único acerca de todas as questões da vida interna.

A democracia de novo tipo é, portanto, deste modo, possível e realizável. Dentro desta perspectiva, na etapa atual, ela pode sobreviver e prosseguir no seu desenvolvimento. Neste caso, as frentes populares transformar-se-ão gradualmente em uma única organização política de toda a nação, congregando a grande maioria do povo, unido em seus objetivos.
A Frente Popular na Iugoslávia, antes da guerra, diferia das frentes populares de alguns outros países pela característica de não ser uma aliança temporária com os partidos burgueses. Ela não foi criada por cima, por acordo entre os líderes; foi criada de baixo para cima, sob a liderança do Partido Comunista da Iugoslávia. Não era numericamente tão forte quanto as frentes populares de outros países, mas sua qualidade era melhor.
Antes da guerra, os elementos mais progressistas de nossa pátria haviam aderido à Frente Popular: a classe operária liderada pelo Partido Comunista, os intelectuais do povo, os setores progressistas do campesinato e da população das cidades, sem considerações de filiação partidária.

Após a invasão do país; o Partido Comunista da Iugoslávia conclamou o povo a pegar em armas contra o invasor. Este apelo foi atendido pelas massas populares em proporções cada vez maiores. Foi atendido até mesmo por aqueles que nem faziam parte da Frente Popular. Foi atendido por todos os patriotas. Todos os que amavam sua pátria, que estavam prontos para lutar contra o invasor e seus traidores nativos, congregavam-se agora na Frente Popular. Foi atendido particularmente por todos os que estavam ameaçados pelo punhal dos ustachis e, mais tarde, pela adaga dos tchetniks.

Claro está que a solução justa do problema nacional, a solução justa do problema social e, mais ainda, as perspectivas claras de uma ordem social radical na nova Iugoslávia tiveram enorme importância para o fortalecimento da Frente Popular entre as massas, para a sua firmeza e perseverança. Está fora de dúvida que sem perspectivas tão claras o nosso povo não poderia ter suportado esforços tão grandes na guerra de libertação. E por outro lado, o sucesso de nossa luta contra o invasor e seus traidores nativos dependeu da firme fé de nosso povo em um futuro melhor e na vitória.

O caráter verdadeiramente democrático da Frente Popular tornou possível a criação do novo governo popular, um governo de caráter verdadeiramente democrático, cuja criação foi possível em virtude da existência dos Comitês de Libertação Nacional. Estes comitês eram os órgãos de nossa Frente Popular, levando à prática todas as tarefas quotidianas de mobilização de soldados, para o Exército de Libertação Nacional, de abastecimento da frente de combate, de consolidação da retaguarda nos territórios libertados, de resolver todos os assuntos abrangidos pelo novo governo popular no território livre.

Nossa pátria saiu desta guerra terrivelmente destruída e devastada. As feridas que o invasor abriu em nossos povos são tão profundas que, nas velhas condições políticas e econômicas seriam necessárias várias dezenas de anos para cicatrizá-las. Mas a Frente Popular introduziu, também na reconstrução, a tremenda energia criadora e realizadora de nosso povo, o ardor de nossa juventude, o espírito de sacrifício dos nossos operários, dos nossos camponeses e dos nossos intelectuais do povo.

Foi somente graças à Frente Popular que nossas comunicações foram restabelecidas, que as pontes demolidas foram reconstruídas, que o transporte ferroviário, fluvial e marítimo foi restaurado, e tudo isto conseguido em um tempo incrivelmente pequeno. Cabe à Frente Popular o grande mérito da reconstrução da maioria de nossas aldeias e cidades devastadas. E é graças à ela, e principalmente aos operários da Frente Popular, que nossas fábricas foram devolvidas à vida ativa e começaram a trabalhar em tão curto espaço de tempo.
O que é, então, a Frente Popular em nossa pátria?

A Frente Popular em nossa pátria é uma organização política nacional duradoura, com um programa permanente e claramente definido. A Frente Popular é a união política dos trabalhadores de nossa pátria, — operários, camponeses, intelectuais do povo, jovens, mulheres e todos os cidadãos que trabalham, o que quer dizer, de todos os que trabalham integrados no espírito da nova Iugoslávia. Isto prova, portanto, que os povos da Iugoslávia têm na Frente Popular sua organização política comum, temperada e provada nas horas mais duras de nossa história. Isto prova que nossos povos — unidos nesta organização na qual também participa o Partido Comunista da Iugoslávia — serão capazes de conseguir um futuro melhor e mais feliz. Esta organização comum, a Frente Popular, é uma garantia de que nossos povos salvaguardarão as conquistas da grande luta de libertação, salvaguardarão a fraternidade e unidade que constitui o penhor de todos os nossos sucessos no presente e no futuro. Isto significa que nossos povos, assim unidos, salvaguardarão tudo aquilo por que morreram os melhores filhos e filhas de nossa pátria, salvaguardarão a comunidade de povos irmãos, — a República Popular Federativa da Iugoslávia.