Terrorista da Noruega cita radicais croatas como exemplo de intolerância

O terrorista e assassino confesso norueguês Andreas Breivik, autor dos ataques de sexta-feira passada na Noruega, fez comentários sobre as relações entre sérvios e croatas nos Bálcãs e elogiou a extrema-direita da Croácia como “exemplo” de limpeza étnica, de ação contra muçulmanos e de anti-multiculturalismo.

Em seu manifesto de mais de 1,5 mil páginas, Breivik disse que a Europa pode contar com os partidos xenófobos croatas HSP (Hrvatska Stranka Prava, ou Partido Croata dos Direitos) e HDSSB (Hrvatski demokratski savez Slavonije i Baranje, União Democrata Croata da Eslavônia e Barânia) para “livrar o continente dos muçulmanos”, segundo o jornal Croatian Times.

A Eslavônia e a Barânia são duas regiões do extremo leste da Croácia, perto da Sírmia, junto à fronteira com a Sérvia.

Segundo o terrorista, todos os povos cristãos da Europa (sejam católicos, como os croatas, ou ortodoxos, como os sérvios) devem se unir para expulsar os muçulmanos de territórios como o Kosovo e a Bósnia.

“Toda animosidade entre dois países cristãos, como a recente guerra entre a Croácia e a Sérvia, será considerada animosidade entre a futura aliança cristã conservadora da Europa e será punida severamente”, escreveu Breivik – apesar de a Sérvia e a Croácia nunca terem entrado em guerra desde a Idade Média.

Vale lembrar que, à diferença do que ocorreu na Sérvia, o Estado croata apoiou e até hoje apóia oficialmente ações radicais de intolerância cultural, étnica e religiosa – como, por exemplo, a reforma lexical que o dialeto croata sofreu para extirpar palavras consideradas “sérvias” e justificar a existência de um suposto “idioma croata”. Enquanto a Sérvia envia criminosos de guerra para Haia, na Croácia criminosos de guerra são recebidos com honras de Estado.

O partido HSP se disse “horrorizado” pelo fato de Breivik ter mencionado a legenda e lembrou que apoiou causas sérvias, inclusive condenando a agressão da OTAN contra a Sérvia em 1999. Já o HDSSB afirmou não entender por que um “monstro” incluiu o partido na lista de entidades “amigas”, comparando os ataques da Noruega aos massacres de Srebrenica e Vukovar (cidade na Eslavônia croata atacada na guerra dos anos 90).

Detalhe: o nome do presidente do HSP é Danije Srb – e “srb” significa ‘sérvio’.

O testamento de Gaddafi

Tito recebe Gaddafi em Belgrado, 1973

Tito recebe Gaddafi em Belgrado, 1973

Gaddafi (ou Gadhafi, ou Qathafi, ou Kadafi, ou Kaddafi, ou como queiram) foi um dos líderes do Movimento Não-Alinhado e um aliado circunstancial da Iugoslávia de Tito, mais por sua ligação estreita com Nasser (esse, sim, um reformador de esquerda) do que por afinidade ideológica. O regime líbio é controverso em muitíssimos sentidos, e pode não ser tão socialista quanto sugere o nome oficial do país (A Grande Jamahiriya Popular Socialista da Líbia; “jamahiriya” em árabe quer dizer “república”, mas na teoria gaddafiana há toda uma diferenciação sobre a organização socio-política, exposta no Livro Verde, e inspirada na autogestão iugoslava). Mesmo assim, o que a Líbia está sofrendo agora é uma agressão da OTAN tão cruel e tão ilegal quanto foi a que a Iugoslávia sofreu em 1999, quando a mesma desculpa da “proteção a civis” foi usada, dissimulando o motivo real que é a remoção de governantes incômodos ao Ocidente.

Vale lembrar que Slobodan Milošević não foi derrubado com os bombardeios da OTAN em 1999, apenas no ano seguinte, pela força do próprio povo sérvio/iugoslavo. Da mesma forma, Gaddafi não deve cair agora,  e se houver qualquer mudança de regime na Líbia, ela só será legítima se for feita pelo próprio povo líbio. A intervenção estrangeira só causa mais destruição e morte do que a própria ditadura local. Trípoli e Belgrado são duas vítimas do imperialismo que não acabou no século XXI. As populações desses países, e não seus ditadores, são as que mais sofrem. Por isso, é importante ler o outro lado. É essa a contribuição que este blog tenta dar, postando a minha tradução para o discurso que Gaddafi fez na semana passada ao povo da Líbia.

Lembranças da Minha Vida

Muammar Gaddafi

Por 40 anos, ou mais, não lembro, fiz tudo que eu pude para dar ao povo casas, hospitais, escolas e, quando passavam fome, dei comida. Transformei Bengási de deserto em uma plantação. Resisti aos ataques daquele caubói Reagan. Quando ele matou minha filha adotiva órfã, estava tentando me matar. Em vez disso, matou aquela criança inocente.

Depois, ajudei meus irmãos e irmãs da África com dinheiro para a União Africana. Fiz tudo que pude para ajudar as pessoas a entender o conceito de democracia real, pelo qual comitês populares governam nosso país, mas nunca bastava. Como alguns me disseram, até pessoas que têm casas com dez quartos, ternos novos e mobília nunca estão satisfeitas. Como são egoístas, querem mais, e diziam aos norte-americanos e outros visitantes que precisavam de “democracia” e “liberdade”, nunca percebendo que esse era um sistema assassino, no qual o cachorro maior come os demais. Mas eles estavam deslumbrados com essas palavras, sem nunca se dar conta de que, nos EUA, não há remédio de graça, casa de graça, educação de graça nem comida de graça – a não ser quando as pessoas têm de implorar e fazer longas filas para ganhar sopa.

Não. Não importava o que eu fizesse, não era o bastante para alguns.

Mas, para outros, era sabido que sou o filho de Gamal Abdel Nasser, o único verdadeiro líder árabe e muçulmano que tivemos desde Saladino, quando recuperou o Canal de Suez para seu próprio povo, como eu recuperei a Líbia para o meu. São os passos dele que tento seguir, para manter meu povo livre da dominação colonial – de ladrões que roubariam de nós.

Agora, estou sob ataque da maior força da história militar. Meu pequeno filho africano, Obama, quer me matar para roubar a liberdade do nosso país, para roubar nossa habitação gratuita, nossa saúde gratuita, nossa educação gratuita, nossa alimentação gratuita, e substituí-las com ladroagem no estilo americano, chamada de “capitalismo”.

O velho marechal e o então jovem coronel

O velho marechal e o então jovem coronel


Mas todos nós no Terceiro Mundo sabemos o que isso quer dizer. Significa empresas mandando nos países, no mundo, e pessoas sofrendo. Assim, não há alternativa para mim. Preciso marcar minha posição. E, se Deus quiser, morrerei seguindo seu caminho, aquele que tornou nosso país rico com plantações, comida e saúde, e até nos permitiu ajudar nossos irmãos e irmãs africanos e árabes, trabalhando aqui conosco, na Jamahiriya Líbia.

Não desejo morrer, mas se chegar a isso, para salvar esta pátria, meu povo, todos os milhares que são meus filhos, então que seja.

Que este testamento seja a minha voz para o mundo – que enfrentei os ataques cruzados da OTAN, enfrentei a crueldade, enfrentei a traição, enfrentei o Ocidente e suas ambições coloniais, e que enfrentei com meus irmãos africanos, meus sinceros irmãos árabes e muçulmanos, como um farol. Enquanto outros estavam construindo castelos, eu morava numa casa modesta, e numa tenda. Nunca esqueci de minha juventude em Sirte. Não gastei nosso tesouro nacional com bobagens. E, como Saladino, nosso grande líder muçulmano, que resgatou Jerusalém para o Islã, peguei pouco para mim.

No Ocidente, alguns me chamaram de “louco”, “maluco”, mas eles conhecem a verdade e mesmo assim mentem. Sabem que nosso país é independente e livre, não sob as rédeas coloniais. Sabem que a minha visão, meu caminho, é e foi claro, e é pelo meu povo. E que vou lutar até meu último suspiro para nos manter fortes.

Que Deus Todo-Poderoso nos ajude a continuar fiéis e fortes.

Coronel Muammar Gaddafi

(traduzido, por mim, da versão em inglês do prof. Sam Hamod (Information Clearing House, EUA)

Já foi tarde, Richard Holbrooke

Eu comemorei muito hoje a morte de Richard Holbrooke, um dos responsáveis pelo bombardeio a Belgrado em 1999. O obituário abaixo é de minha autoria e foi publicado no Opera Mundi. Agora estou ansioso para escrever também o da Madeleine Albright, o do Joe Biden, o Wesley Clark, o general Michael Jackson, o Bill Clinton

Holbrooke, o homem das guerras da Casa Branca

Richard Holbrooke

Richard Holbrooke

 

O diplomata norte-americano Richard Holbrooke, morto na noite desta segunda-feira (13/12) em Washington por complicações pós-cirúrgicas, foi conhecido por obter sucesso em “causas impossíveis” para a diplomacia dos Estados Unidos, entrando em campo quando a Casa Branca se via metida em um atoleiro sem saída evidente.

Ao longo das últimas duas décadas, Holbrooke esteve envolvido em praticamente todos os conflitos em que os EUA entraram – ou causaram – no mundo, como Vietnã, Bósnia, Kosovo, Afeganistão e Paquistão. Não chegou a pisar no Iraque, mas defendeu a opção diplomática em vez da militar para derrotar Saddam Hussein.

Richard Charles Albert Holbrooke nasceu em Nova York em 24 de abril de 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, um mês depois do ataque japonês a Pearl Harbor e uma semana após a rendição da Iugoslávia para os nazistas. Coincidentemente, os dois fatos teriam repercussão como déjà-vu em sua carreira diplomática, décadas mais tarde. Em 1999, Holbrooke seria responsável por levar o ultimato à Iugoslávia, então sob governo de Slobodan Milošević, antes que o país fosse bombardeado pelas forças da OTAN, lideradas pelos Estados Unidos – repetindo assim a infâmia dos japoneses e a agressão dos nazistas.

A família de Holbrooke era de origem judaica, mas não praticava a religião, e trocara a Europa pelos EUA nos anos 1930 para escapar do nazifascismo. O pai, judeu polonês, mudou de nome ao chegar a Nova York e escondeu a identidade original até da própria família. A mãe, judia alemã, fugiu de Hamburgo em 1933, logo após a ascensão de Hitler ao poder.

Vietnã e Timor

Holbrooke estudou na Universidade Brown, em Rhode Island, uma das mais elitistas do país, e entrou para o serviço diplomático logo após se formar.

Sua primeira missão diplomática foi em 1962, no Vietnã, onde ficou responsável por coordenar o apoio em dinheiro aos anticomunistas e trabalhou como assistente dos embaixadores norte-americanos em Saigon (hoje Cidade de Ho Chi Minh). Aos 24 anos, foi chamado pelo presidente democrata Lyndon Johnson (sucessor de John Kennedy) como membro de um órgão consultivo sobre o Vietnã. Participou da comitiva norte-americana nas conversações de paz em Paris, em 1968, e depois deu aulas na Escola de Relações Internacionais Woodrow Wilson, em Princeton.

Em 1970, pediu para ser enviado ao Marrocos, onde houve duas tentativas de golpe enquanto esteve lá. De 1972 a 1976, foi editor da revista Foreign Policy, publicação de referência em relações internacionais nos EUA. Saiu de lá a convite do também democrata Jimmy Carter, para ser coordenador de segurança nacional de sua candidatura. Carter foi eleito e nomeou Holbrooke como subsecretário para Ásia e Pacífico – a pessoa mais jovem a assumir o cargo até então.

Nesse posto, coordenou a política de reaproximação com a China comunista e com a Indonésia, um país não alinhado. Nesse país, viveu sua primeira grande polêmica, ao elogiar a política de direitos humanos do ditador Suharto ao mesmo tempo em que o país conduzia massacres na ex-colônia portuguesa de Timor-Leste.

Mercado e Alemanha

Passou a década de 1980 (governos Reagan e Bush pai) fora de cena, trabalhando no mercado financeiro de Wall Street como consultor do banco Lehman Brothers (o primeiro a falir, em 2008, dando início à crise atual). Chegou a ser diretor da entidade, além de vice-presidente do Crédit Suisse.

Mas Holbrooke não desligou os laços que tinha com os democratas: foi assessor de pré-campanha do senador Al Gore para as primárias em 1988 (quando acabou derrotado para Michael Dukakis, que por sua vez perdeu a eleição para George Bush, pai). Em 1992, visitou a Bósnia-Herzegovina, no início da guerra civil iugoslava, de forma independente. Desde então, passou a defender que a Casa Branca adotasse políticas agressivas nos Bálcãs.

Em 1993, foi nomeado por Bill Clinton como embaixador dos EUA na Alemanha, terra natal de sua mãe e país que, sob Helmut Kohl, liderava o reconhecimento aos separatistas da Iugoslávia. Holbrooke colaborou com essa política, que estimulou o conflito.

No ano seguinte, Clinton o nomeou subsecretário para Europa e, nesse cargo, acumulou a função de representante para os Bálcãs. Nesse posto, foi o principal elaborador dos acordos de paz de Dayton, que levaram ao fim do conflito e retalharam o território da Bósnia. Também “falhou” na captura de Radovan Karadžić, o presidente dos sérvios na Bósnia, considerado criminoso de guerra pelo Ocidente. Doze anos mais tarde, ao ser preso, Karadžić revelou que Holbrooke fizera um acordo para possibilitar sua fuga.

Kosovo e Obama

Já em 1997, Clintou fez dele seu representante “informal” para o Chipre, ilha dividida por turcos e gregos no leste do Mediterrâneo. No entanto, Holbrooke trabalhou mesmo junto à insurreição dos albaneses do Kosovo, província da Iugoslávia, que iniciaram uma guerrilha separatista em 1998. No ano seguinte, Washington incumbiu-o de levar o ultimato a Milosevic, a quem teria feito a proposta de manter o Kosovo sob soberania iugoslava em troca da instalação de uma base militar. A proposta foi negada, Belgrado foi novamente bombardeada (após 58 anos), a OTAN invadiu o Kosovo e a base de Camp Bondsteel foi instalada dois meses depois. Dias depois, Holbrooke ganhou o cargo de embaixador dos EUA na ONU.

Membro militante do Partido Democrata, assim como seus colegas Madeleine Albright e Zbigniew Brzezinski, Holbrooke trabalhou nas equipes dos dois mandatos de Bill Clinton (1993-2001) e como assessor de política externa nas candidaturas derrotadas de Al Gore (2000) e John Kerry (2004). Voltou ao mercado financeiro enquanto George W. Bush esteve no poder, como diretor do grupo AIG, que também entrou em insolvência.

Em 2008, ficou fora da campanha de Barack Obama, mas foi nomeado como representante dos EUA para o Afeganistão e o Paquistão assim que novo presidente assumiu. Foi incumbido com a missão de facilitar a “transição” afegã, organizar politicamente o combate ao Talibã nos dois lados da fronteira e preparar a retirada militar, mas morreu sem ter conseguido.

Holbrooke, apesar da proximidade com os democratas e a participação decisiva na defesa dos interesses norte-americanos, nunca chegou a comandar diretamente a diplomacia dos Estados Unidos: quando Clinton precisou nomear um novo secretário de Estado, em 1997, pôde escolher entre Holbrooke e Albright, e acabou fazendo dela a primeira mulher no cargo.

Em vez da tranquilidade dos gabinetes, Holbrooke continuou sendo enviado para as zonas de guerra, levando as propostas – decorosas ou não – de Washington para os adversários em combate.

Texto meu publicado na B92

Um texto que escrevi (em português) como resposta a um post num fórum de discussão de mochileiros, há 3 anos, comentando minha primeira viagem à Sérvia (2006), foi traduzido para o servo-croata pelo moderador da comunidade Srbija-Brazil no Facebook e a rádio/TV/portal sérvia B92 republicou ontem em seu site, entre outros comentários de turistas brasileiros. Estão dando ênfase a “Como os Turistas Brasileiros vêem a Sérvia”, como diz o título, porque, muito em breve, a exigência do visto da Sérvia para brasileiros (e vice-versa) deve ser abolida (quero falar mais disso aqui em outro post). Achei muito curioso, porque nesse texto (em reposta ao Márcio Santoro, que estivera em Belgrado e também ficou maravilhado), eu comento como os sérvios desconhecem o Brasil e os brasileiros desconhecem a Sérvia, mas ambos costumam se apaixonar pelo país um do outro.

Copio abaixo como ficou em servo-croata, e depois vou tentar catar o original em português. Mas o teor é muito do que já escrevi aqui no Yugoboy em posts anteriores.

Clique aqui para ter acesso ao original.

Kako turisti iz Brazila vide Srbiju

Marcio, veoma mi se dopalo tvoje svedočanstvo o proputovanju kroz Srbiju. Bio sam tamo u avgustu 2006. Od tada skupljam sve zajedničko što može da poveže Brazil i Srbiju – i mogu ti reći da sam pronašao dosta toga.

Pronašao sam više Srba koji ovde žive, kao i Brazilce koji su bili u Srbiji. Postoji jaka veza, pogotovo, između Beograda i Kuritibe uključujući među-univerzitetski sporazum ta dva grada. Poznajem, takođe, jednu devojku odavde (koja je sada u Beogradu), drugu iz São Paula koja snima dokumentarac o odnosima Brazil-Srbija, i jednog Beograđanina koji ima radio-emisiju o brazilskoj muzici na radiju Beograd 202 itd.

Ja sam se zaljubio u Beograd na prvi pogled i sada pravim planove da tamo živim. Idem u Beograd, po drugi put u decembru 2008, ovaj put da bih ostao duže, bolje upoznao zemlju, na svojoj koži osetio zimu i video da li stvarno mogu da se adaptiram.

Slažem se sa MNOGIM tvojim zapažanjima – mišljenja koja si tamo čuo veoma su slična onome što sam i sam čuo. Meni je pratilac bio Srbin po imenu Srboslav koji, kao i Dragana, nosi u sebi određenu ozlojeđenost ali je vesele prirode i veoma gostoljubiv. Imam utisak da je srpski narod toliko propatio da su postali srećni upravo da bi prevazišli traume.

Međutim, dozvoli da se ne složim sa tobom u nekim detaljima. Ti si opisao grad u nekim sivkastim bojama, a to je daleko od pravog stanja stvari. Beograd je živopisan grad, veseo, zabavan. Beograd je jedan “indie” grad: pogađa raznovrsne ukuse, visokih prohteva, dobar ukus, dobra muzika, odlična hrana. U bilo koji lokal da uđes, naići ćes na dobru muziku, lokalnu ili međunarodnu i na žurku na svakom ćošku, svake večeri. Grad se već oporavio od kriminalnog NATO bombardovanja i poseduje ogromne mogućnosti razvoja kao turistička destinacija za mlade. Svakog meseca se otvaraju novi hosteli a beogradske noći su divne. Čak i radio stanice namenjene masama sviraju alternativni rok, a ne pop mainstream.

Ljudi pričaju o Pragu, ali Beograd je jedna destinacija MNOGO, ALI MNOOOGO interesantnija, bogato zabavna, sa mnogo uzbudljivih stvari koje jedan brazilski “backpaker” može da uraditi da bi se zabavio.

Ah, da: već dve godine uzimam časove srpsko-hrvatskog kod jednog Srbina ovde u Riju :o)

Srdačan pozdrav
(ili, kako kažu Srbi “pozz”, skraćenica za ‘pozdrav’)
Pedro

Se a Iugoslávia fosse viva, faria 90 anos hoje…

Há exatamente 90 anos, nascia a Iugoslávia, uma experiência geopolítica, econômica e sociocultural que marcou o século XX. Apesar de ter nascido e morrido em guerras marcadas por atrocidades, o país formado por Sérvia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Eslovênia, Montenegro e Macedônia foi, de 1918 a 2006, um dos maiores da Europa e um ator forte no cenário internacional. Com heroísmo e criatividade, os iugoslavos venceram os nazistas por conta própria, desafiaram as duas potências da Guerra Fria ao mesmo tempo, inovaram na forma de construção do socialismo e levaram ao Terceiro Mundo uma proposta de desenvolvimento baseada na cooperação Sul-Sul.

A Iugoslávia nasceu no dia 1o. de dezembro de 1918, quando o Reino da Sérvia e o Principado de Montenegro, ex-protetorados do Império Otomano, se uniram ao efêmero Estado dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, então recém-formado pelas províncias de maioria eslava no sul do Império Austro-Húngaro. De início, o novo país adotou o nome de Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos – uma designação étnica, não geográfica – até 1929, quando foi oficializado o termo que o batizaria: Iugoslávia, do étimo eslavo ‘iug’ (sul, meridional), ou seja, a “terra dos eslavos do Sul”.

O país viveu como uma monarquia até 1941, quando foi invadido e retalhado pelas forças do Eixo. Nazistas no norte, italianos no sul e seus vizinhos húngaros, romenos e búlgaros anexaram grandes nacos de território e implantaram estados-fantoche no restante. Particularmente entre croatas e albaneses, houve grande número de colaboracionistas, conhecidos como ustashe.

A resistência aos invasores na Segunda Guerra veio de duas facções: os tchetniks, monarquistas legitimistas identificados com o nacionalismo sérvio, e os partizans, guerrilheiros comunistas que não faziam distinção entre as etnias e recrutavam voluntários em todos os cantos do território ocupado. Os primeiros adotaram uma linha de ação na retaguarda e chegaram a ser tolerados pelos nazi-fascistas por também combaterem seus próprios compatriotas do Partido Comunista. Já os partizans se recusaram a transigir com o inimigo e praticaram uma guerrilha generalizada, de forte base popular, que acabou por minar a Wehrmacht por cansaço. Antes do Dia D, de Stalingrado ou da campanha na Itália, os iugoslavos fizeram o Eixo bater em retirada.

Com a vitória conduzida por mérito próprio, e não sob a ajuda do Exército Vermelho, os iugoslavos implantaram um regime socialista de fato revolucionário, bem distinto dos golpes palacianos que pipocaram na Cortina de Ferro. Desde cedo, eles se recusaram a ser dobrados pela doutrina stalinista que submetia as economias do Leste Europeu ao esforço de reconstrução soviético. O Marechal Tito, líder partizan que se tornou presidente, rompeu com Stalin ainda em 1948 – muito antes das denúncias do “discurso secreto” de Khruschov – e o Partido iugoslavo centrou seus ânimos na concepção e construção de uma “via nacional para o socialismo” que se contrapusesse ao modelo soviético: nascia daí o socialismo autogestionário.

Baseados principalmente nos comentários de Marx sobre a Comuna de Paris em 1871 (expostos em “A guerra civil na França”), os ideólogos do PCI – com o esloveno Edvard Kardelj e o montenegrino Milovan Djilas à frente – elaboraram os princípios do sistema que os stalinistas batizaram, pejorativamente, como “titoísmo”. Acusaram Tito de trair o socialismo, porque o PCI resgatou a idéia marxista original de que nem toda propriedade privada era capitalista: pequenos negócios, empresas familiares e sítios foram permitidos, desde que não houvesse mais-valia nem exploração. Outra máxima, a de que “a libertação dos trabalhadores seria obra dos próprios trabalhadores”, foi levada à risca no princípio da autogestão, segundo o qual toda atividade produtiva deveria ser administrada pelos próprios produtores diretos associados. Ou seja, os conselhos operários, de agricultores, de funcionários de escritórios, prestadores de serviços, diferentemente dos sovietes russos, mantinha de fato o controle das fábricas e impedia a burocratização por quadros do Partido. E o sistema era reproduzido em todos os níveis, tornando a democracia popular iugoslava um regime bem distinto de seus vizinhos no Leste.

Para começar, foram garantidas liberdades individuais, de imprensa, de criação artística e de religião. Era possível ir e vir, viajar, sair do país, ter acesso ao mundo. Num país multiétnico e multi-religioso como a Iugoslávia, os comunistas perceberam que formariam hegemonia muito mais facilmente se dialogassem com os diferentes grupos em vez de suprimi-los, como na política stalinista para as nacionalidades. Além disso, houve de fato uma revolução nos costumes e práticas sociais, inclusive com a igualdade de fato entre os gêneros (até os acampamentos da juventude eram mistos, e não separados como na URSS) e políticas de cotas para etnias minoritárias.

O socialismo autogestionário iugoslavo teve influência imensa no Terceiro Mundo. Basicamente, isto se deveu à constatação de que a premissa de que cada país deve alcançar o socialismo de acordo com suas condições históricas e recursos disponíveis (políticos, culturais e naturais) era exeqüível. No Quênia, na Tanzânia, no socialismo árabe de Nasser e do Ba’ath, até a distante Indonésia, o sistema testado nos Bálcãs foi considerado um modelo para as nações em processo de descolonização. Em geral, todas enfrentavam os mesmos problemas, como submissão econômica, precariedade de infraestrutura e instabilidade institucional, além de muitos também serem agrupamentos multiétnicos por terem tido suas fronteiras desenhadas pelos colonizadores.

Coincidentemente (ou não), a terra dos eslavos do Sul voltou-se para a metade Sul do mundo, marginalizada nas decisões políticas, nas transações econômicas e nas trocas culturais do cenário pós-guerra. Tito ajudava os países pobres enviando técnicos e equipamentos, capacitando profissionais e levando suas reivindicações às potências com as quais tinha bom trânsito. A divisão do planeta decidida em Ialta, em 1945, uma espécie de Tratado de Tordesilhas do século XX, rachava o mundo entre Leste e Oeste, esferas de influência da URSS e dos EUA (ambos do “Norte” industrializado), sem contemplar as áreas ainda dominadas pelos decadentes impérios coloniais europeus (o Sul do mundo). Estes, à medida que iam conquistando a independência, eram chamados a se alinhar a um lado ou a outro.

Como alternativa à bipolaridade foi criado o Movimento dos Não-Alinhados (o grupo de países em desenvolvimento que antecedeu o G77), do qual Tito foi um dos fundadores e expoentes A Iugoslávia, a Índia de Nehru, a Indonésia de Sukarno e o Egito de Nasser eram na época o equivalente àquilo que os BRIC são hoje – com a diferença de que representavam uma alternativa real de modelo de desenvolvimento.

Até a Perestroika de Gorbatchov, implantada em 1985 para tentar salvar a economia soviética, bebeu muito da fonte iugoslava, resgatando princípios da produção descentralizada e da antiburocratização. E a Glasnost pretendeu, tardiamente, conciliar socialismo e liberdades civis, como os iugoslavos já tinham feito desde o início.

Mas o titoísmo também teve falhas, incluindo a forte dependência do mercado externo tanto para importações quanto para vender os produtos de sua indústria. O fato de não ser alinhada nem a um bloco nem a outro permitia à Iugoslávia negociar e transitar suas mercadorias em ambos os lados antagônicos da Guerra Fria. Mas o país, pobre em recursos energéticos, sofreu duramente com a crise do petróleo de 1973. Além disso, seu relativo sucesso incomodou concorrentes próximos, como a Alemanha Ocidental: por exemplo, o Zastava, automóvel símbolo da era Tito, era um competidor barato e de boa qualidade para os carros alemães.

A morte de Tito, em 1980, só agravou o quadro. O vazio deixado por sua liderança carismática levou a disputas de poder no Partido, abrindo caminho para o velho pesadelo do marechal: os nacionalismos de base etno-religiosa. Figuras como Slobodan Milošević, na Sérvia, e Franjo Tuđman, na Croácia, reacenderam ódios e pelejas entre tchetniks e ustashe, pacificadas desde a vitória partizan. E o que parecia impossível até a véspera aconteceu: nos anos 1990, os povos da Iugoslávia se enfrentaram em guerras fratricidas, marcadas por atrocidades e violações que a Europa não via desde o fim da Segunda Guerra. A última delas foi o bombardeio a Belgrado, capital iugoslava e sérvia, por aviões da OTAN em 1999.

Mas a marca que a Iugoslávia deixou na História, principalmente para os países que lutam pelo desenvolvimento, como o Brasil, foi a de que vale o embate por vias autônomas, de que a sujeição a uma potência estrangeira ou a outra é sempre um tiro no pé, e de que a única saída para a emancipação é a cooperação entre todos que têm interesse nela – seja no âmbito local, como os conselhos comunitários, ou no âmbito global, como a ação internacional conjunta dos países pobres. A lição do país que nasceu 90 anos atrás é a de que compensa o empenho dos que investem na transformação da sociedade por esforço da própria sociedade.

Belgrado 2006 . parte III . “Um Pôr-do-Sol em Belgrado”

Começa o terceiro dia em Belgrado. Os planos para hoje são visitar o museu histórico nacional e o museu de arte contemporânea, visitar a cidade velha (Zemun) e terminar o dia vendo o pôr-do-sol do alto do Kalemegdan, o castelo medieval que domina a cidade na confluência entre os rios Sava e Danúbio.

Hoje voltaremos ao Kalemegdan para ver o pôr-do-sol. Deve ser indescritível.

Pois bem. O primeiro pensamento que me veio à cabeça foi: como pode uma cidade tão antiga ter sofrido tanto e continuar tão bela depois de milênios? E o segundo foi: como a OTAN pôde bombardear isto tudo?

Não é uma pergunta que possa ser respondida fora da conclusão de que a OTAN é uma organização criminosa que deveria ser extinta. A última palestra que tivemos no curso em Praga foi sobre crimes de guerra, e um deles (segundo as Convenções de Genebra e o Direito Internacional), é a destruição de patrimônio histórico, além da óbvia morte de civis. Foi aqui em Belgrado, no criminoso bombardeio de 1999, que surgiu a expressão “danos colaterais”, o eufemismo do Pentágono para civis mortos em ataques não tão precisos assim. A OTAN e os EUA foram de uma crueldade monstruosa com Belgrado. Pessoas tiveram que se abrigar de chuvas de bombas sem saber quando poderiam voltar e, principalmente, sem saber o porquê. A guerra do Kosovo estava acontecendo a centenas de milhares de quilômetros daqui, e Belgrado não tinha alvos militares. Isto não é o Afeganistão, onde Cabul e Kandahar são construções precárias e de baixa densidade demográfica. Isto é uma metrópole européia, histórica, com pontes, viadutos, avenidas, trem, aeroporto, arranha-céus! O bombardeio só teve objetivos políticos e morais.

Uma das principais atrocidades foi o bombardeio do prédio da TV. Doze jornalistas morreram. Jornalistas. Trabalhando, em plantão. Eu podia ser um deles. Até porque, se morasse aqui, trabalharia facilmente para o canal do Milošević.

Não foi o bombardeio dos panzers nazistas, 60 anos atrás. Não foi o bombardeio das canhoneiras austríacas, 90 anos atrás. Não foi o bombardeio de catapultas turcas, 500 anos atrás. Foi o bombardeio de F-117A Stealth americanos, 6 anos atrás. E não foi o Bush, foi o Clinton, pra desviar atenção do escândalo Lewinski e, de quebra, enfraquecer o Milošević. Mas foi, principalmente, uma demonstração gratuita de força, ainda no pré-11 de Setembro, mostrando que nem a Europa está a salvo do big stick.

Acho que o próximo alvo vai ser a Bielorrússia.

No fim da tarde, voltamos ao castelo do Kalemegdan para assistir ao pôr-do-sol. Ipanema que me desculpe, mas este é que é digno de aplauso. As nuvens, que tinham coberto do céu ao longo de todo o dia, se abriram como cortinas para revelar o espetáculo. De repente as muralhas de pedra da fortaleza ficaram douradas e o céu ganhou um azul prateado. Por alguns minutos, vi Belgrado cintilante.

O sol se escondeu atrás do Danúbio e encerrou meu último dia nos Bálcãs.

Belgrado 2006 . parte II . “Belgrado, a Heroína dos Bálcãs”

A melhor sensação do mundo é confirmar as expectativas de suas próprias escolhas.

Belgrado não é um destino óbvio para os brasileiros que vão conhecer a Europa, e só esse motivo já seria justificativa suficiente para eu querer vir aqui. Fui eu que escolhi Belgrado, fui eu que decidi meus passos dentro da cidade, e foi muito bom gostar de cada coisa aqui. Mas o melhor de tudo foi ter vindo e descoberto um lugar que guarda uma BOA surpresa a cada esquina.

Talvez a principal delas tenha sido Srboslav, apelidado Srba, nosso contato (guia ou “fixer”) por aqui. Cheguei até ele porque ele namora a melhor amiga da Alesja, a bielorrussinha que conheci no curso em Praga. É um sujeito de 29 anos, roqueiro, religioso (cristão ortodoxo, faz o sinal da cruz três vezes quando entra E quando sai das igrejas), fluente em inglês e alemão e, como a maior parte da geração dele, ex-soldado no exército iugoslavo durante as guerras da Bósnia (1991-1995) e do Kosovo (1999-2000). Na verdade, Srboslav não chegou a ser combatente, mas cumpriu o serviço militar obrigatório em Belgrado enquanto colegas e amigos de infância morriam no front.

Na segunda e na terça-feira, Srboslav nos levou pra ver o resto de Belgrado por onde não andamos no domingo. Infelizmente, não deu pra ver tudo. Ficaram de fora a cidade antiga (Zemun, até o século XIX ocupada pelos austríacos), os centros culturais e os bares flutuantes sobre o Sava. Também demos um azar danado com os museus: o Histórico Nacional está em reformas, o Histórico da Iugoslávia só tinha uma exposição pequena de arte contemporânea, o Etnográfico está em mudança de exposição permanente e no Mausoléu de Tito chegamos apenas 10 minutos depois de fechar. Conseguimos apenas ver o gigantesco Rolls Royce (blindado) do marechal.

Mas eis o que nós vimos: primeiro, Srba nos levou à Ada Ciganlija, uma antiga ilha fluvial transformada em península por um istmo artificial, onde os sérvios fizeram um parque que fica lotado no verão. As praias do rio costumam ficar lotadas (200 mil pessoas nos fins de semana, segundo ele, numa faixa de menos de três quilômetros) e as pessoas bebem numa espécie de calçadão com uma fileira de quiosques, como na Lagoa. Adivinhem qual é a maior novidade em drinks: guaraná. Só que aqui não é vendido como refrigerante, e sim como energético no estilo Red Bull. Não é doce, é muito azedo, mas dá pra reconhecer o gosto da nossa bebida tradicional. Vi, no meio do parque, pessoas treinando uma luta com espadas que não parecia asiática, e sim medieval.

A parte triste veio em seguida. Pela primeira vez na vida, vi destroços de guerra. Não existe como conter o choro. Não são escombros de algo que caiu de podre, ou que desabou por má conservação. São prédios que estariam em perfeito estado se não fosse por crateras gigantescas (20 a 30m de diâmetro), geralmente esféricas, causadas por bombas atiradas de aviões. Escritórios, repartições públicas, instituições estatais (civis), empresas funcionavam ali. Vêem-se as janelas com vidros inteiros ao lado de um vazio e imaginam-se as pessoas em seus locais de trabalho, até uma bomba americana cair sobre suas cabeças. A sede do exército era um único prédio ligado por uma ponte, e agora são dois: a ponte foi destruída. A torre da TV, orgulho da cidade, não existe mais. A antiga sede da polícia federal (não política!) tem dois grandes buracos redondos. O brasão da Iugoslávia, no entanto, continou intacto.

Srba nos conta como as pessoas viveram durante o bombardeio. Por 72 dias, eles não sabiam o que ia acontecer. A maioria se refugiava nos abrigos subterrâneos, e uns poucos se aventuravam nas ruas. Ninguém trabalhava, ninguém ia estudar, ninguém fazia mais nada. Não tinha futuro, amanhã, horizonte. Apenas se deixava o tempo passar, às vezes comendo. Eu sei o que é sentir isso, mas não consigo imaginar uma população inteira na mesma situação. Perguntei se houve roubos às casas vazias: nenhum. Na guerra, a solidariedade e o respeito mútuo são absolutos. As pessoas começam a ver beleza e felicidade em cada pequena coisa, numa criança sorrindo, numa mãe amamentando, num casal se abraçando. E, de repente, a sopa rala é deliciosa. Embora não deseje o sofrimento para ninguém, Srba diz que todo indivíduo deveria passar por isso uma vez na vida, para aprender a valorizar o ser humano.

Por outro lado, sérvios corajosos vestiam alvos nas roupas, nas cabeças e, provocativos, se juntavam em pequenas multidões nas praças e parques e sinalizavam para os bombardeiros: “Estamos aqui; atirem!”. Outros ocupavam as pontes sobre o Sava e o Danúbio, fazendo escudos humanos para evitar a destruição delas (há muito poucas pontes no país inteiro, e uma das mais antigas delas, a Stari Most (Ponte Velha) de Novi Sad, a OTAN reduziu a pó… gratuitamente).

Seguimos andando pela mesma rua, onde fica a maioria das embaixadas em Belgrado. A dos EUA é ultrajantemente suntuosa e com uma segurança ostensiva. Chegaram a fechar permanentemente uma rua do quarteirão. Há duas semanas, uma simulação de atentado à embaixada ianque causou caos no trânsito da rua, que é movimentada. Mais adiante, há as sedes separadas dos poderes (presidência, governo/gabinete, parlamento) da República da Sérvia e da Federação Iugoslava, uma distinção que agora se tornou inútil. Há dois meses, as instituições do governo federal foram extintas e os prédios começaram a ser esvaziados. Na prática, a cidade ganhou alguns palácios a mais para ocupar.

Passamos pelo parque em frente ao Parlamento Iugoslavo, onde os sérvios fizeram a tal “revolução de outubro” de 2000. Foi o mesmo lugar que tínhamos visto uma semana antes, em um documentário exibido no curso do TOL. As cenas do povo invadindo, depredando e ateando fogo no prédio ainda estavam frescas na nossa memória. David, com larga artéria humorística como todo canadense, não se segurou:

“Me deu uma vontade danada de invadir o parlamento. Vamos?”

Pegamos um táxi e percorremos o bairro de mansões. Nosso objetivo principal: a casa de Milosevic, de onde ele saiu preso, humilhado, para ir morrer em Haia, nas circunstâncias estranhas que conhecemos. Até Srba, que não tinha a menor simpatia por ele e é insuspeito pra falar, acredita que o presidente foi assassinado. O taxista já sabia de cor o endereço. Paramos em frente. Uma mansão até modesta, menor que a do Roberto Marinho. Uma grade opaca só revelava o telhado branco. Dei uma de enxerido e subi no muro para espiar sobre a grade. Tudo vazio e sujo, com aspecto de abandonado. Srba me puxou. Disse que eu podia ter levado um tiro. A casa “abandonada” continua muito bem guardada.

Vimos também as catedrais de São Sava e de São Marcos. A primeira está em reconstrução, e pretende ser o segundo maior templo do mundo, depois do Taj Mahal (talvez o terceiro, se incluirmos a sede da Igreja Universal em Del Castilho). A segunda é uma coloridíssima igreja ortodoxa erguida como réplica de uma catedral macedônia.

Terminamos o dia de segunda-feira na rua Skadarska, uma ladeira de paralelepípedos pontilhada de cafés que geralmente têm shows ao ar livre de jazz, tango (estilo Piazzola) ou música tradicional sérvia. Pertinho dali, encontramos o Republika, um bar temático estilo retrô e literalmente underground (é subterrâneo) que se aproveita da estética titoísta/iugoslava para relembrar o país que acabou de acabar (e toca rock, ufa!). Óbvio que adorei. E elogiei tanto que me deram o menu como souvenir.

Compras: lojinha oficial do Estrela Vermelha, o maior dos dois times de Belgrado. O outro, Partizan, não tem tantos souvenirs à venda. Mais CDs baratinhos, DVD de filmes sérvios (não encontrei o “Terra de Ninguém”, que é bósnio e satiriza os correspondentes internacionais metidos a aventureiros). Um mapa de Belgrado. Um dicionário Português-Sérvio e Sérvio-Português. E uma loja de brinquedos lotada de Playmobil.

A comida aqui não é sem-graça como em Praga ou “disfarçada” como em Bucareste. Aqui é novidade. Quitutes, guloseimas, nas confeitarias que chamam de “pekara” (parece “bakery” em inglês). Comi burek (um folheado feito com banha de porco e recheio de queijo ou frutas), um-churrasco-dentro-de-panqueca-cujo-nome-não-me-ocorre-agora, feito na rua (rostije), e piroški (uma espécie de pastel de forno eslavo). E um croissant recheado de “creme de champanhe”. Delícia. Aqui em Belgrado não falta coisa gostosa pra comer.

Hoje passeamos pelo museu de Nikola Tesla, um mega-inventor sérvio que, apesar de ter vivido radicado nos EUA entre os 1890s e 1943, ainda é orgulho nacional. Ele trabalhou com Edison, desenvolveu sistemas de transmissão de energia elétrica, inventou o controle remoto e, diz-se, desenvolveu o mecanismo de transmissão de som por ondas de rádio antes de Marconi. Aí no Brasil, no entanto, a imagem de Tesla ficou ofuscada por gente nossa como Santos Dumont e Landell de Moura, outras vítimas de esquecimento e controvérsia. Mas aqui, ele está na nota de 100 dinares, uma das mais comuns.