O Marechal e as Flores

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Trecho de um e-mail que enviei a um grande professor:

Ontem estive no túmulo do Marechal Tito. Foi a segunda visita que fiz – a primeira foi em 2006. É um lugar muito simples, nada suntuoso, e por isso mesmo emocionante. Dentro de uma tumba de mármore branco rodeada de bromélias está sepultado o homem que empreendeu, com esforço próprio, a mais sincera e exitosa tentativa de construir uma sociedade com justiça social e liberdade.

E era um homem simples, que soube viver. Ao lado do túmulo foi montada uma exposição multimídia com “os réveillons de Tito“, de 1949 a 1980. As cenas mais comuns são do marechal acendendo o charuto, vestindo sombreros e chapéus pitorescos, dançando com a esposa Jovanka (à qual não era muito fiel, pelo que se conta) e entornando rakija, o aguardente de frutas que é a bebida mais popular daqui. Também vi alguns pronunciamentos dele exibidos em cinejornais e na TV a cada ano-novo. Ele era irrequieto, avesso a protocolos, remexia-se muito na cadeira, coçava o nariz em frente à câmera (nesse ponto lembra o Lula; aliás, Tito também foi metalúrgico). Não guardou ranço algum da ferocidade da luta nos tempos de partizan. A festividade de ano-novo passou a ser promovida pelo Estado como forma de ofuscar as festas religiosas, tanto os Natais católico (25/12) e ortodoxo (7/1) quanto o Ramadã islâmico. Alguns deles foram passados na rua, na praça pública, junto com os camaradas anônimos. Não tinha nojo do “cheiro de povo”. Tampouco descambava para o populismo barato. Na Iugoslávia não havia culto à personalidade. Sua imagem não era onipresente, como a de outros ditadores. As poucas estátuas do Tito estavam em museus ou parques específicos. A própria avenida então batizada em sua homenagem é, na verdade, uma rua pequena. E, quando sentiu que estava chegando ao fim, ele não pediu para ser mumificado nem depositado em algum palacete-mausoléu (como o de Dimitrov na Bulgária). Pediu apenas para ficar no jardim de inverno de sua casa, em Belgrado, e é lá que está.

O governo sérvio não inclui o local em seus folhetos turísticos, mas o túmulo do marechal é o ponto mais visitado de Belgrado até hoje.

O fato de, durante décadas, atrair filas quilométricas de admiradores e pessoas gratas pelo que ele fez, levando presentes e flores (não coroas fúnebres, mas das mais diversas cores) deu ao espaço o apelido de Kuća cveća – ou “Casa das Flores“, em servo-croata. Ontem, quando cheguei, havia um arranjo de rosas com uma fita vermelha junto à porta. Pelo estado das pétalas, tinha acabado de ser depositado.

É, né?